24 Mar 2017

Entrevista com o dr. Torkil Jonch Clausen - mudanças climáticas e objetivos de desenvolvimento

Fizemos quatro perguntas ao Dr. Torkil Jonch Clausen sobre mudanças climáticas e os objetivos de desenvolvimento mundiais.

Presidente do Comitê de Programação Científica da Semana Mundial da Água de Estocolmo, Governador do Conselho Mundial de Água e Assessor Sênior da DHI e da Parceria Global pela Água.

Pergunta #1
O senhor trabalhou em países em desenvolvimento por muitos anos. O senhor acha que há atenção mundial suficiente sendo dedicada para gerar mudanças no que se refere às inundações e à gestão das mesmas?


Resposta: A resposta curta é um cauteloso, ao mesmo tempo otimista, "sim".

2015 foi um ano decisivo para a água, e a atenção global para com as questões relacionadas à água nunca foi tão intensa. 

O destaque do ano - a partir de uma perspectiva da água na agenda do desenvolvimento - foi a adoção pela Assembléia Geral da ONU dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ,os ODS. Por meio de 17 objetivos com 169 metas específicas, uma agenda ambiciosa foi estabelecida para desenvolvimento até 2030, adotada por todos os países do mundo. 

Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, ou ODMs (adotados em 2000) abordavam apenas o abastecimento de água potável e saneamento, a agenda dos ODS inclui um objetivo específico e abrangente sobre água e saneamento, o ODS 6, chamado de "objetivo da água". 

As metas do ODS 6 não são explícitas em relação à gestão de inundações. Mas há "ganchos" importantes para chamar a atenção, tais como a meta para a implementação da gestão integrada de recursos hídricos (integrated water resources management - IWRM) em todos os níveis até 2030. 

De grande importância, a "gestão de inundações" e desastres relacionados à água são mencionados explicitamente como sendo essenciais para o progresso com os objetivos relativos à fome, cidades e assentamentos humanos e ecossistemas, sendo todos estes "ganchos" importantes para gerar o compromisso com a ação. 

O ano culminou com a COP 21 e o acordo global sobre a mudança do clima em Paris. 

De todos os impactos das mudanças climáticas, o aumento da frequência e da gravidade de eventos extremos, não apenas inundações, é o mais previsível porém o mais bem compreendido pelo público. Além disso, ações e financiamento voltados para a adaptação foram elementos importantes das negociações em Paris.

Resumindo: Em suma: Há muitos compromissos globais significativos para aumentar as ações em resposta à gestão de inundações. São todas condições "necessárias", porém evidentemente não suficientes para a tomada de ações. Embora algumas das metas ambiciosas não venham a ser alcançadas, foram tomados passos importantes na direção certa.

Pergunta #2
Qual será o maior desafio nos anos vindouros em termos de adaptação às mudanças climáticas e aumento de ocorrência de inundações?


Resposta: A agenda relacionada às mudanças climáticas é profundamente política. Sem dúvidas o maior desafio é conseguir compromissos vinculados - e ações consequentes - para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e assim reduzir o aquecimento global e os diversos impactos associados, em especial a frequência e a gravidade das enchentes pelo mundo. 

Os maiores desafios ocorrem no Sul em países acometidos por pobreza, capacidade técnica e recursos financeiros insuficientes. Como vão enfrentar novos desafios que ultrapassam os que já existem, quando mal conseguem lidar com a situação atual? 

No caso da gestão de inundações, a importância da questão de capacidade pode ser ilustrada ao comparar países planos, como os Países Baixos e Bangladesh: ambos têm exposição similar a inundações devido à combinação da elevação do nível do mar e inundações país adentro. 

Mas enquanto os holandeses possuem os recursos técnicos, gerenciais e financeiros para responder ao aumento da frequência de enchentes, Bangladesh não os possui. Os dois países podem ser igualmente expostos aos riscos, mas Bangladesh é muito mais vulnerável e precisa de auxílio financeiro e técnico em grande escala para poder dar conta.

Pergunta #3
Quais são algumas das ações mais importantes a serem tomadas a fim de construir e adotar resiliência às mudanças do clima?


Resposta: O desafio real é incorporar a construção da resiliência em todos os níveis do desenvolvimento: local, regional, nacional e até transnacional.

‘A adaptação às mudanças climáticas, incluindo a gestão de inundações, não deveria se tornar uma nova disciplina técnica, ou algo isolado, e sim parte de um pensamento e de abordagens mais abrangentes.’

A gestão de inundações precisa ser vista amplamente como parte da gestão integrada de recursos hídricos. E precisa levar em consideração todos os aspectos sociais, econômicos e ambientais relevantes, assim como soluções de infraestrutura material ("hard infrastructure") e soluções imateriais ("soft") e baseadas na natureza, como a gestão de planícies de inundação, zoneamento, seguro contra enchentes, etc.

* O que são soluções "sem arrependimento"? As soluções sem arrependimento são práticas que trazem benefícios mesmo na ausência de mudanças climáticas, onde os custos de adaptação são relativamente baixos quando comparados com os resultados das medidas de adaptação.

Em países de baixa renda, o pragmatismo e o realismo são essenciais: encontrar respostas para os problemas atuais primeiro por meio das soluções "sem arrependimento"* que terão​​​ benefícios imediatos - mesmo se as piores previsões climáticas não se materializarem. Este tipo de pensamento pode ser visto em nível global por meio do Programa de Gestão de Inundações (gerido pela Organização Meteorológica Mundial - OMM - e pela Parceria Mundial pela Água) na tentativa de combinar abordagens hidrometeorológicas e técnicas com a IWRM, para obter uma abordagem de "gestão integrada de inundações".

Um bom exemplo no âmbito regional é um amplo programa de adaptação às mudanças climáticas na África, que adotou uma matriz estratégica voltada à incorporação de resiliência no planejamento para o desenvolvimento e que tem soluções "sem arrependimento" como sua primeira prioridade.

Pergunta #4
Se o senhor pudesse vislumbrar o futuro, como estaria o progresso em 2030 em termos de cumprimento aos objetivos da água (ODS 6) e suas várias metas? 


Resposta: Como falei no início, sou otimista porém não sou ingênuo.

Os desafios do ODS não são novos, então se realmente queremos atingí-los, por que não agimos mais cedo? 

Ainda enfrentamos desafios enormes para traduzir esses princípios em ações, mas pelo menos o mundo tomou um grande passo na direção certa ao negociar e pactuar esses objetivos e metas. Podemos chegar perto de alcançar a meta ODS 6.1: "até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo a água potável e segura para todos". No entanto, é provável que não seja totalmente "equitativo" e "para todos". 

Algumas das outras metas do ODS 6 têm uma formulação mais flexível.

Por exemplo:

  • Melhorar a qualidade da água
  • Aumentar substancialmente a eficiência do uso da água
  • Reduzir à metade a proporção de águas residuais não tratadas (ambicioso considerando que entre 80% e 90% não são tratadas hoje)

Estas são novas metas em novas áreas e são de fato promissoras, uma vez que chamam a atenção para desafios / oportunidades importantes.

Isto se aplica não somente aos governos, como também ao setor privado e à sociedade civil. A corrida começou, e os setores público e privado em vários países estão competindo para avançar. Não somente para salvar o mundo, como também criar crescimento e emprego ao mesmo tempo. 

A meta ODS 6.5 para "implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis até 2030" tem um papel especial em potencial para tornar a água o elo de ligação entre as metas de desenvolvimento sustentável, dentro do ODS 6 e demais objetivos. 

Um grande desafio para o alcance dos ODS é a continuação do pensamento isolado: os vários objetivos e metas foram definidos por seus próprios setores e comunidades, com pouca consideração para sua interação com outros setores e atores. 

Praticamente nenhuma das metas dos ODS poderá ser alcançada se não houver progresso com muitas outras metas. E basicamente faltam os mecanismos para criar e operacionalizar ligações entre elas. 

A implementação da gestão integrada dos recursos hídricos poderá ajudar a constuir pontes entre a água e outros setores e áreas como alimentação, energia, ecossistemas, etc.